"Se há um remédio capaz de gerar lucros, deve haver consumidores". O que as corporações querem que você compre agora
Por Martha Rosenberg*, AlterNet | Tradução: Daniela Frabasile
Como a indústria farmacêutica conseguiu que um terço da população dos Estados Unidos tome antidepressivos, estatinas, e estimulantes? Vendendo doenças como depressão, colesterol alto e refluxo gastrointestinal. Marketing impulsionado pela oferta, também conhecido como "existe um medicamento – precisa-se de uma doença e de pacientes". Não apenas povoa a sociedade de hipocondríacos viciados em remédios, mas desvia os laboratórios do que deveria ser seu papel essencial: desenvolver remédios reais para problemas médicos reais.
Claro
que nem todas as doenças são boas para tanto. Para que uma enfermidade
torne-se campeã de vendas, ela deve: (1) existir de verdade, mas ser
constatada num diagnóstico que tem margem de manobra, não dependendo de
um exame preciso; (2) ser potencialmente séria, com "sintomas
silenciosos" que "só pioram" se a doença não for tratada; (3) ser "pouco
reconhecida", "pouco relatada" e com "barreiras" ao tratamento; (4)
explicar problemas de saúde que o paciente teve anteriormente; (5)
precisar de
uma nova droga cara que não possui equivalente genérico.
Aqui estão algumas potenciais doenças da moda, que a indústria farmacêutica gostaria que você desenvolvesse em 2012:
- Déficit de atenção com hiperatividade em adultos
Problemas
cotidianos rotulados como "depressão" impulsionaram os laboratórios nas
últimas duas décadas. Você não estava triste, bravo,
com medo, confuso, de luto ou até mesmo sentindo-se explorado. Você
estava deprimido, e existe uma pílula para isso. Mas a depressão chegou a
um ápice, como a dieta Atkins e Macarena. Com sorte, existe o
transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (DDAH) em adultos.
Ele dobrou em mulheres de 45 a 65 anos e triplicou em homens e mulheres
com 20 a 44 anos, de acordo com o Wall Street Journal.
Assim
como a depressão, a DDAH em adultos é uma categoria que pode englobar
tudo. "É DDAH ou menopausa?" pergunta um artigo na Additude, uma revista
voltada exclusivamente à doença DDAH. "DDA e Alzheimer: essas doenças
estão relacionadas?" pergunta outro artigo da mesma revista.
"Estou
deprimida, pode ser DDAH?" diz um anúncio na Psychiatric News,
mostrando uma mulher bonita, mas triste. Na mesma publicação, outro
anúncio diz "promessas quebradas – adultos com DDAH têm quase duas vezes
mais chances de se divorciar", enquanto estimula médicos a checar a
presença de DDAH pacientes para DDAH em seus pacientes.
Adultos
com DDAH são normalmente "menos responsáveis, confiáveis, engenhosos,
focados, autoconfiantes, e eles encontram dificuldades para definir,
estabelecer e propor objetivos pessoais significativos", diz um artigo
escrito pelo dr. Joseph Biederman, psiquiatra
infantil de Harvard, que leva os créditos por colocar "disfunção
bipolar pediátrica" no mapa. Eles "mostram tendências de ser mais
fechados, intolerantes, críticos, inúteis, e oportunistas" e "tendem a
não considerar direitos e sentimentos de outras pessoas", diz o artigo,
numa frase que poderia ser usada por muitas pessoas para definir seus
cunhados.
Adultos
com DDAH terão dificuldade em se manter em um emprego e pioram se não
forem tratados, diz WebMD, apontando para o seguindo requisito para as
doenças campeãs de venda – sintomas que se agravam sem medicação.
"Adultos com DDAH podem ter dificuldade em seguir orientações, lembrar
informações, concentrar-se, organizar tarefas ou completar o trabalho no
prazo", de acordo com o site, cujo
parceiro original era Eli Lilly.
Como
as empresas farmacêuticas conseguiram fazer com que cinco milhões de
crianças, e agora talvez seus pais, tomem remédios para DDAH? Anúncios
em telas de 9 metros por 7, quatro vezes por hora na Times Square não
vão fazer mal. Perguntam: "Não consegue manter o foco? Não consegue
ficar parado? Seu filho pode ter DDAH?" (Aposto que ninguém teve
problemas em se focar neles!).
Porém,
convencer adultos que eles não estão dormindo pouco, nem entediados,
mas têm DDAH é apenas metade da batalha. As transnacionais
farmacêuticas também têm que convencer crianças que cresceram com o
diagnóstico de DDAH a não pararem de tomar a medicação, diz Mike Cola,
da Shire (empresa que produz os medicamentos para DDAH: Intuniv,
Addreall XR, Vyvanse e Daytrana). "Nós sabemos que perdemos um número
significativo de pacientes com mais ou menos vinte anos, pois saem do
sistema por não irem mais ao pediatra".
Um
anúncio da Shire na Northwestern University diz "eu lembro de ser uma
criança com DDAH. Na verdade, eu ainda tenho", a frase está escrita em
uma foto de Adam Levine, vocalista do Maroon 5. "É sua DDAH. Curta", era
a mensagem subliminar. (O objetivo seria: "continue doente"?).
Claro,
pilhar crianças (ou qualquer um, na verdade) não é muito difícil. Por
que outra razão traficantes de metanfetamina dizem que "a primeira dose é
grátis"? Mas a indústria está tão empenhada em manter o mercado
pediátrico de DDAH que criou cursos para médicos. Alguns exemplos:
"Identificando, diagnosticando e controlando DDAH em estudantes". Ou
"DDAH na faculdade: procurar e receber cuidado durante a transição da
infância para a idade adulta".
Para
assegurar-se de que ninguém pense que a DDAH é uma doença inventada,
WebMD mostra ressonâncias magnéticas coloridas de cérebros de pessoas
normais e de pacientes com DDAH (ao lado de um anúncio de Vyvanse). Mas
é duvidoso se as duas imagens são realmente diferentes, diz o
psiquiatra Dr. Phillip Sinaikin, autor de Psychiatryland. E mesmo que
forem, isso não prova nada.
"O
ponto central do problema é que simplesmente não existe um entendimento
definitivo de como a atividade neural está relacionada à consciência
subjetiva, a antiga relação não muito clara entre corpo e mente",
Sinaikin contou ao AlterNet. "Não avançamos muito além da frenologia, e
esse artigo do WebMD é simplesmente o pior tipo de manipulação da
indústria farmacêutica a fim de vender seus produtos extremamente caros.
Nesse caso, um esforço desesperado da Shire para manter uma parte do
mercado quando o Addreall
tiver versão genérica".
- Artrite Reumatóide
A
Artrite Reumatoide (AR) é uma doença séria e perigosa. Mas os
supressores do sistema imunológico que a indústria farmacêutica oferece
como alternativa – Remicade, Enbrel, Humira e outros – também são.
Enquanto a AR ataca os tecidos do corpo, levando à inflamação das
articulações, tecidos adjacentes e órgãos, os supressores imunológicos
podem abrir uma brecha para câncer, infecções letais e tuberculose.
Em
2008, a agência norte-americana para alimentação e medicamentos (FDA)
anunciou que 45 pessoas que tomavam Humira, Enbrel, Humicade e Cimzia
morreram por doenças causadas por fungos, e investigou a relação do
Humira com linfoma, leucemia e melanoma em crianças. Esse ano, a FDA
avisou que as drogas podedm causar "um raro tipo de câncer nas células
sanguíneas brancas" em jovens, e o Journal of the American Medical
Association (JAMA) advertiu o aparecimento de "infecções potencialmente
fatais por legionela e listeria".
Medicamentos
que suprem o sistema imunológico também são perigosos para os
bolsos. Uma injeção de Remicade pode custar US$ 2.500; o suprimento de
um mês de Enbrel custa US$ 1.500; o custo anual do Humira é de US$ 20
mil.
Há
alguns anos, a AR era diagnosticada com base na presença do "fator
reumatóide" e inflamações. Mas, graças ao marketing guiado pela oferta
da indústria farmacêutica, bastam hoje, para o diagnóstico,
enrijecimento e dor. (Atletas e pessoas que nasceram entes de 1970,
entrem na fila, por favor).
Além
do espaço de manobra para o diagnóstico e um bom nome, a AR possui
outros requisitos das doenças campeãs de
vendas. "Só vai piorar" se não for tratada, diz WebMD, e é
frequentemente "subdiagnosticada" e pouco relatada, diz Heather Mason,
da Abbott, porque "as pessoas costumam não saber o que têm, por algum
tempo".
Uma
doença tão perigosa que o tratamento custa US$20 mil por ano, mas que é
tão súbita que você pode não saber que tem? AR desponta como uma doença
da moda.
- Fibromialgia
Outra doença pouco relatada é
a fibromialgia, caracterizada dores generalizadas e inexplicadas no
corpo. Fibromialgia é "quase a definição de uma necessidade médica não
atendida", diz Ian Read, da Pfizer, que fabrica a primeira droga
aprovada para fibromialgia, o medicamento anticonvulsivo Lyrica. A
Pfizer doou US$ 2,1 milhões a grupos sem fins lucrativos em 2008 para
"educar" médicos sobre a fibromialgia e financiou anúncios de serviço da
indústria farmacêutica que descreviam os sintomas e citavam a droga.
Hoje, a Lyrica lucra US$ 3 bilhões por ano.
Mesmo
assim, a Lyrica concorre com Cymbalta, o primeiro antidepressivo
aprovado para fibromialgia. A Eli Lilly propôs o uso de Cymbalta para a
"dor" física
da depressão, em uma campanha chamada "depressão machuca" antes da
aprovação do tratamento para fibromialgia. O tratamento de pacientes com
fibromialgia com Lyrica ou Cymbalta custa cerca de US$10 mil, segundo
diários médicos.
A
indústria farmacêutica e Wall Street podem estar felizes com os
medicamentos para fibromialgia, mas os pacientes não. No site de
avaliação de medicamentos, askapatient.com, pacientes que usam Cymbalta
relatam calafrios, problemas maxilares, "pings" elétricos em seus
cérebros, e problemas nos olhos. Nesse ano, quatro pacientes relataram a
vontade de se matar, um efeito colateral frequente do Cymbalta.
Usuários de Lyrica relatam no askapatient perda de memória, confusão,
ganho extremo de peso, queda de cabelo, capacidade
de dirigir automóveis comprometida, desorientação, espasmos e outros
ainda piores. Alguns pacientes tomam os dois medicamentos.
- Disfunções do sono: Insônia no meio da noite
Disfunções
do sono são uma mina de ouro para os laboratórios porque todo mundo
dorme – ou assiste TV, quando não consegue. Para agitar o mercado de
insônia, as corporações criaram subcategorias de insônia, como crônica,
aguda, transitória, inicial, de início tardio, causada pela menopausa, e
a grande categoria de sono não reparador. Nesse outono [primavera no
hemisfério Sul], apareceu uma nova versão do Ambien para insônia "no meio da noite",
chamado Intermezzo – ainda que Ambien seja, paradoxalmente, indutor de
momentos conscientes durante o sono. As pessoas "acordam" em um blackout
do Ambien e andam, falam, dirigem, fazem ligações e comem.
Muitos
ficaram sabendo desse efeito do Ambien quando Patrick Kennedy,
ex-parlamentar de Rhode Island, dirigiu até Capitol Hill para "votar" às
2h45min da manhã em 2006, sob efeito do remédio, e bateu seu Mustang.
Mas foi comer sob o efeito do Ambien que trouxe a pior discussão sobre o
medicamento. Pessoas em forma acordavam no meio de montanhas de
embalagens de pizza, salgadinhos e sorvete – cujo conteúdo tinha sido
comido pelos seus "gêmeos maus", criados pelo
remédio.
- Sonolência excessiva e transtorno do sono por turno de trabalho
Não
é preciso dizer: pessoas com insônia não estarão com os olhos brilhando
e coradas no dia seguinte – tanto faz se elas não tiverem dormido, ou
se tiverem, em seu corpo, resíduos de medicamentos para dormir. Na
verdade, essas pessoas estão sofrendo da pouco reconhecida e pouco
relatada epidemia da Sonolência Excessiva durante o Dia. As principais
causas da SED são apnéia do sono e narcolepsia. Mas no ano passado, as
corporações farmacêuticas sugeriram uma causa relacionada ao
estilo de vida: "transtorno do sono por turno de trabalho". Anúncios de
Provigil, um estimulante que trata SED, junto com Nuvigil, mostram um
juiz vestindo um roupão preto, no trabalho, com a frase "lutando para
combater o nevoeiro?".
Obviamente,
agentes estimulantes contribuem com a insônia, que contribui com
problemas de sonolência durante o dia, em um tipo de ciclo farmacêutico
perpétuo. De fato, o hábito de tomar medicamentos para insônia e para
ficar alerta é tão comum que ameaça a criação de um novo significado
para "AA" – Adderal e Ambien.
- Insônia que é depressão
Disfunções
do sono também deram nova vida aos antidepressivos. Médicos agora
prescrevem mais antidepressivos para insônia que medicamentos para
insônia, de acordo com a CNN. É também comum que eles combinem os dois,
já que "insônia e depressão frequentemente ocorrem conjuntamente, mas
não fica claro qual é a causa e qual é o sintoma".
WebMD
concorda com o uso das duas drogas. "Pacientes deprimidos com insônia
que são tratados com antidepressivos e remédios para dormir se saem
melhor que aqueles tratados apenas com
antidepressivos", escreve.
De
fato, muitas das novas doenças de massa, desde DDAH em adultos e AR até
fibromialgia são tratadas com medicamentos novos junto com outros que
já existiam e que não estão funcionando. É uma invenção das corporações
polifarmácia. Isso lembra do dono de loja que diz "eu sei que 50% da
minha propaganda é desperdiçada – só não sei qual 50%".
(*) Martha Rosenberg escreve sobre o impacto das indústrias farmacêuticas, alimentícias e de armamentos na saúde pública.
Artigo socializado pelo site Outras Palavras (www.outraspalavras.net)
EcoDebate, 20/12/2011
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