“Conspiração da mídia?
Excessos de violência da polícia?
Poderosos no controle tentando manter o poder a qualquer custo?
Você não acha que isso é coisa de ”teoria da conspiração’ demais não? Um pouco de inocência? “
Você não tem idéia da quantidade de vezes que me falaram isso na
minha vida. Acho que em parte eu criei esse blog por preguiça de ficar
respondendo milhares de vezes o mesmo questionamento.
Esse texto será minha resposta definitiva a esse pessoal que
realmente acha que as coisas estão indo da melhor forma possível, que
acredita na idoneidade de todas as instituições (só não acredita em
políticos, que original), e que as leis e a polícia servem
incondicionalmente ao povo. Acho que vou imprimi-lo e andar com algumas
cópias no bolso, só por garantia. A vida é muito curta, no final das
contas.
Vou segmentar esse artigo em 2 partes, uma concentrada na pergunta
que inaugura o texto (‘Conspiração da mídia?’) e outra discorrendo sobre
as conseqüências de estarmos ACORDANDO para essa incômoda realidade.
Como de costume não é um artigo curto, possui 6 páginas, mas não vejo
forma breve de tecer uma boa argumentação sem me demorar um pouco. Se
não posso torná-lo curto, pelo menos prometo me empenhar em torná-lo
divertido. Boa leitura!
Parte 1 – “Conspiração da mídia?”
Não estamos falando de Arquivo X aqui. Não estou dizendo que existe
um maligno Dr. Mídia sentado em uma poltrona, acariciando um gato preto e
dando gargalhadas diabólicas enquanto distorce as informações que você,
pobre cidadão inocente, lê em seu jornal matinal junto de uma xícara de
café (alguém ainda consegue fazer isso hoje em dia?). Estamos falando
de negócios.
Voltemos ao bom e velho mantra do corporativismo: “O objetivo de uma
empresa é trazer lucro para o acionista”. Isso é um fato. Essa coisa de
cada empresa ter uma missão institucional bem bonita e emocionante é
coisa de marketeiro. Acreditem! Eu sou um… A despeito de toda a boa
vontade que o dirigente de certa empresa possa por ventura possuir, o
objetivo final de cada uma delas é trazer o máximo de lucro possível
para seus sócios, e uma grande revista ou um grande jornal é acima de
tudo, uma EMPRESA.
Como toda empresa que se preze, ela vai buscar os meios de maximizar
sua lucratividade, respeitando o máximo possível as leis para que os
números não sejam comprometidos, minimizando ao máximo os custos sem que
a qualidade do produto caia e os números centrais da equação acabem
sendo modificados. Faz sentido? Qualquer empresa opera segundo o mesmo
preceito: do mercadinho familiar da sua esquina aos maiores bancos ou
corporações que se espalham por todo o globo.
O que mudou nos últimos anos?
Bom, nos velhos tempos em que cada jornal era uma empresa
independente, a linha editorial seguida costumava ser a ideologia ou
crença pessoal de seu editor ou proprietário. Nada de novo nisso. Todo
bom jornalista sabe que essa coisa de “imparcialidade jornalística” é um
conto da carochinha, criado para conferir credibilidade (e um caráter
inquestionável de VERDADE) a tudo o que é publicado. Claro que os
números eram importantes, mas seu principal administrador era um
jornalista, não um MBA em marketing ou administração, e as coisas
acabavam sendo um pouco mais inocentes.
O problema é que os tempos modernos criaram um monstro bem feio
chamado CONGLOMERADO. CORPORAÇÃO. GRUPO DE EMPRESAS. Hoje, aquele jornal
que você lia com seu café pela manhã, na época que ainda tinha tempo de
fazer isso, se transformou em apenas UM PRODUTO de um imenso MIX de uma
corporação, que possui canais de TV, empresas de bem de consumo,
escolas, parcerias com bancos, enfim, tudo o que você puder imaginar.
Sabe aquela ilusão do Cidadão Kane, que prefere brigar com a mulher a
publicar uma critica tendenciosa para seu numero de dança? Ou aquele J.
Jameson dos gibis do Homem Aranha, que fuma charutos e publica
editoriais assustadores por não gostar de carinhas fantasiados? Acabou.
Já era…
A linha editorial de seu jornal favorito não é mais pautada pela
ideologia do editor, ela é pautada pelos interesses econômicos do grupo
que a adquiriu. Questão de lógica de mercado.
Isso faz sentido? Ou é teoria da conspiração? Posso estar sendo paranóico, mas no meu modo de ver as coisas, inocente
seria pensar que um jornal pertencente a um grupo gigantesco de
empresas tivesse liberdade total para publicar coisas que prejudicam
esse grupo, afinal a verdade deve estar acima de tudo.
Mas vamos pegar um exemplo real: A Editora Abril. Líder em 21 dos 24
segmentos em que atua, responsável pela publicação de 54 títulos em um
universo de 28 milhões de leitores, também é dona das seguintes
empresas: Grupo Anglo (Vestibulares), Grupo ETB (Escolas Técnicas do
Brasil), DGB (holding de Distribuição e Logística que reúne as empresas
Dinap, Treelog e FC Comercial), Elemídia, MTV, Editoras Ática e
Scipione, entre dezenas de outras empresas.
Seu diretor editorial, Roberto Civita, possui bilhões de dólares
investidos nos mesmos bancos que estamos tentando criticar com o
movimento OCCUPY. Você realmente acredita que ele permitiria que alguma
revista adotasse uma linha editorial anti-bancos ou que autorizaria uma
capa de VEJA malhando a próxima tentativa do nosso governo de aumentar
os juros para conter a inflação?
Aliás, vocês acham que QUALQUER meio de comunicação pertencente a um
grande grupo seria capaz de adotar uma política anti-bancos? Será que
não lemos nada sobre o assunto simplesmente por que não há nada a
criticar sobre eles?
Por outro lado, os grandes jornais e revistas adotaram nos últimos
anos uma postura bastante ativa como mídia investigativa no que concerne
a corrupção no governo, o que é ótimo. O que as pessoas às vezes falham
em compreender é que essa luta contra a corrupção de seu amado jornal
matinal TAMBÉM possui uma pauta definida por interesses próprios.
Vivemos em uma constante guerra entre partidos. Quem viu a ultima
inserção do PSDB na Rede Globo, por exemplo, pode constatar que a linha
do debate político em nosso país tem sido cada vez mais o ataque DIRETO
contra o partido adversário, em detrimento às propostas de governo que
poderiam ser feitas. Os jornais possuem interesses econômicos na
definição dos dirigentes do governo. São o principal instrumento de
formação da opinião publica e sabem disso.
Se você fosse um político e tivesse a oportunidade de influenciar a
pauta editorial de um grande veículo de comunicação, sabendo de seu
poder na formação da opinião de seu eleitorado, você não faria isso? É
teoria da conspiração? Uma vez mais, estamos falando de negócios.
Não estou dizendo que quando um corrupto é denunciado por um jornal
ele seja santo. Claro que não, ele provavelmente é corrupto sim. O
problema é que estamos perseguindo apenas os corruptos convenientes. A
opinião publica é massa de manobra na briga entre partidos, e a mídia é a
mão do pedreiro que passa a argamassa.
Não é à toa, por exemplo, que a reportagem da VEJA sobre o movimento
OCCUPY distorcia toda a idéia do movimento, fazendo parecer que as
hordas insurgentes contra o capitalismo descontrolado e contra os abusos
do mercado financeiro estavam protestando apenas contra políticos
corruptos (convenientemente, seus inimigos políticos do PT que afinal
das contas estão no poder dessa vez):
Como de praxe, atacam os corruptos e não falam nada contra os
corruptores. Afinal, como poderiam? Os corruptores estão pagando a
conta…
Também não é a toa que os indignados reagiram violentamente a essa
decisão da revista, protestando em frente ao prédio da Editora Abril,
queimando revistas e publicando notas em seu site oficial desmentindo a
reportagem:
Agora os convido a se lembrar do posicionamento político do Estado
de São Paulo e da Veja por exemplo. O primeiro declarou-se abertamente
partidário do PSDB faz muito tempo, o segundo nem precisa. Todas as
recentes ações violentas e condenáveis realizadas pela PM são ordens
diretas do governo do estado (ao qual a instituição é subordinada), você
realmente acredita que uma publicação que se declarou abertamente
favorável ao Governador Geraldo Alckmin é o melhor lugar para se
informar a respeito de uma decisão polemica tomada por ele?
Quem é inocente aqui?
Reforço que a mídia é tendenciosa para os dois lados, é evidente.
Existem muitas publicações que também apoiarão incondicionalmente
partidos de esquerda e atacarão incondicionalmente partidos de direita.
Não estou sugerindo aqui que você cancele sua assinatura da VEJA e
comece a ler Carta Capital (apesar de a segunda ser uma revista muito
superior tanto em informação quanto profundidade de seus textos).
Simplesmente pare de acreditar incondicionalmente nos 2 ou 3 veículos
que você elegeu como portadores da verdade. Entenda a malha de
interesses por trás.
O mais engraçado é a amnésia das pessoas. Eu sou acusado de
“paranóia” por sugerir uma manipulação dos fatos na mídia, no que
concerne a invasão da USP ou o Occupy Wall Street por exemplo, quando já
é sabido e estudado nas escolas que durante o movimento “Diretas Já” a
rede Globo exibiu a concentração de pessoas como sendo um levante para a
celebração da festa de aniversário de São Paulo. Já é sabido e estudado
que o famigerado debate entre Lula e Collor, que definiu o destino
daquelas eleições, foi completamente editado pela Globo para facilitar a
eleição do segundo. Já é sabido e estudado que o movimento “Caras
Pintadas” e o slogan “Fora Collor” que se seguiram foi uma criação da
Globo, distorcendo um movimento originalmente criado para defender a
criação de carteirinhas de estudantes.
As pessoas JÁ SABEM que a mídia fez muito mais do que apenas publicar
noticias, ela ajudou a escrever a história de nosso país como a
conhecemos hoje. Essas pessoas só tem dificuldade em acreditar que isso
esteja acontecendo AGORA. Inocência? Ou cegueira auto- imposta?
O cérebro humano possui uma tendência natural a querer estar no
controle. Rezamos diante de situações maiores do que nós, pois assim
temos a sensação de que podemos influenciar esses acontecimentos de
alguma forma. A idéia de que não temos controle sobre certas coisas ao
nosso redor é terrível, e acho que a cegueira da opinião publica no que
se refere a esse tema é decorrente disso. Uma má noticia: Se não nos
esforçarmos um pouco mais, não poderemos manter controle nem mesmo sobre
nossas próprias opiniões.
Sua única defesa contra isso é buscar informação em múltiplas fontes. É questionar, é ir atrás.
Para isso você vai precisar dedicar um pouco mais de atenção às
coisas do que permite uma folheada nas manchetes de um jornal no tempo
de um cafezinho. Considero esse um preço pequeno a se pagar, para deixar
de ser uma marionete.
Parte 2 –O mundo está acordando. E agora ?
Como eu procurei colocar em meu artigo “Sobre Wall Street e
Tiranossauros”, existem basicamente duas formas de manutenção de poder
sendo exercidas sobre nós nesse exato momento. O poder da informação e o
poder da força. Quando o primeiro cai, o governo e seus patrocinadores
(as mega corporações) recorrem ao segundo.
Não é a toa que os últimos levantes e movimentos de 2011 tem
provocado reações tão agressivas de seus governos (e em países com a
democracia mais frágil, como no Egito, resultado em verdadeiros
massacres). O poder está acuado. Pela primeira vez o poder não sabe o
que fazer, pois manipular a mídia não é o bastante, as informações
continuam vazando, constantemente, as pessoas continuam se levantando, e
questionando, e confrontando.
A reação de uma besta encurralada é morder. E eles morderam. Forte :
Policial atira spray de pimenta em estudantes sentados em protesto do Occupy Wall Street:
Violenta desocupação da Praça da Liberdade, em Wall Street, resultou
em 200 prisões (e mais 100 até o final da semana), velhos e adolescentes
atacados com spray de pimenta e pelo menos uma baixa: o bebê da
ativista grávida Jennifer Fox, chutada na barriga pela policia:
Quase 5000 pessoas foram presas por todos os EUA desde que os protestos do Occupy começaram, em setembro.
Policia reprime protestos no Egito. Pelo menos 32 estudantes já foram mortos pela policia desde o inicio dos levantes:
Cerca de 400 policias da PM invadem reitoria ocupada por 175
estudantes na calada da noite, prendendo 72 pessoas. Relatos de abuso de
violência surgem por toda parte:
Será apenas um delírio meu essa idéia de enxergar esses eventos todos
como algo relacionado? Serei apenas um paranóico iludido por “teorias
da conspiração” por estar propondo que isso esteja ocorrendo?
Acho que não.
A besta morde quando é acuada. É quando ela é mais perigosa. Mas por estar mordendo, ela esta expondo sua fragilidade.
Longe de mim ignorar o processo histórico e o diferente momento de
cada um desses levantes, em cada um desses países (e os outros 980 onde
ocorreram protestos e ocupações em 2011). Cada caso é um caso, cada
protesto possui sua peculiaridade e cada governo sua forma de reagir a
ele.
Mas também não se pode ignorar o padrão.
Se estamos conseguindo acuar nosso inimigo, então devemos estar
preparados para mordidas ainda mais violentas. Não é hora de se
acovardar, pelo contrário. Isso seria nadar e morrer na praia. Está
chegando a hora de manter a pressão, de vencer o lobby da comunicação de
vez, de ir para as ruas, de pegar ainda MAIS pesado.
Vivemos um momento histórico sem precedentes, e estamos assistindo de
camarote o monstro que se tornou o sistema capitalista atual se debater
furioso e tentando se defender.
Pensar o contrário, em minha humilde opinião, que é uma imensa inocência.
………
PS: Essa manhã recebi de um amigo meu essa reportagem maravilhosa que
mostra como muitos policiais de NY, cansados de combater o proprio povo
que juraram proteger, acabaram de se juntar ao movimento. Uma luz de
esperança ?
MATERIAL COMPLEMENTAR
Sobre a crescente violência na repressão dos movimentos Occupy:
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cifamerica/2011/nov/25/shocking-truth-about-crackdown-occupy
O maior confronto entre ocupantes e policia em NY desde o inicio dos protestos. O tempo passa e o movimento só se fortalece:
O que realmente aconteceu no ultimo dia 11.11.2011 (e foi ignorado pela mídia, claro):
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